Mostra de SP: Última Parada 174, Ninho Vazio e O Casamento de Rachel

Entre algumas viagens à Bolívia (El Regalo de la Pachamama e A Rota do Guerreiro) e um documentário para refletir sobre o vício do cigarro (Fumando Espero) selecionei três filmes para comentar no Digestão:

ÚLTIMA PARADA 174

Bruno Barreto é um cineasta bastante irregular, mas longe de merecer as caretas que recebe quando o seu nome é pronunciado numa conversa. Vale lembrar pela milionésima vez que é dele a maior bilheteria do cinema brasileiro em todos os tempos (Dona Flor e Seus Dois Maridos, mais de 10,5 milhões de espectadores em 1976), o que não é pouca coisa. Dirigiu também A Estrela Sobe (1974) e o delicioso Romance da Empregada (1987), dando à Betty Faria dois de seus maiores personagens no cinema.

Em Última Parada 174 muito se questionou a sua escolha por uma tema já explorado com sucesso por José Padilha em Ônibus 174 (2002). A intenção de Barreto foi mostrar, em forma de ficção, um retrato de Sandro Nascimento, o sequestrador do ônibus. O diretor explora o fato da “troca de identidades”: a mãe de Sandro, Marisa, perde o filho ainda bebê para o tráfico de drogas. Anos depois, ela acredita que Sandro é o filho por quem sempre procurou. Quem conduz a narrativa são dois Sandros (ou Alês): o sobrevivente da candelária, que cai no universo das drogas quando adolescente e o outro (o verdadeiro filho de Marisa) que cresceu entre os traficantes, já escolado pela vida e irá se tornar o melhor amigo de seu xará.

Aplausos para a direção de arte, fotografia e trilha, todas muito bem elaboradas. O elenco principal (todo composto por atores desconhecidos) é, salvo pequenos deslizes, muito competente e de uma visceralidade notável – o mesmo não se pode dizer de alguns coadjuvantes com interpretações frias e mecânicas. Mas o que importa mesmo e onde Próxima Parada deixa a desejar é entender porque depois de duas, três, quatro chances que a vida lhe dá, Sandro sempre escolhe o caminho errado. Levasse o foco para dentro de Sandro em vez de se preocupar com a troca de identidades e a marginalidade ao seu redor, talvez tivesse sido o diferencial.

Cotação (de 0 a 5): 3,5

NINHO VAZIO

A sinopse de Ninho Vazio do argentino Daniel Burman (O Abraço Partido, 2004) diz tratar-se de um casal que, após ver seus filhos crescerem e saírem de casa, irá perceber as rachaduras do casamento. Mas Ninho Vazio é muito menos sobre reaver o que foi perdido numa relação de décadas e mais sobre como um homem encara a sua própria existência.

A excelente Cecilia Roth (Kamchatka, Tudo Sobre Minha Mãe) é Martha, a esposa que abdicou de sua vida para cuidar do marido e dos filhos e, agora, resolve recuperar o tempo perdido voltando à universidade. Acostumada às protagonistas, Cecilia é, aqui, uma coadjuvante de luxo, pois o olhar do filme é indiscutivelmente masculino. Iremos nos aproximar mesmo é de Marchetti (Carlos Bermejo), o dramaturgo que sofre da famosa crise de meia-idade. Seus filhos se foram, a esposa está cuidando de sua própria vida e lhe vem uma necessidade de buscar algo mais em sua vida e entender as escolhas do passado. Ele começa a sentir saudade de coisas que não viveu. Ou as teria vivenciado?

A sua obsessão por uma mulher mais nova – a sua dentista – não resume e nem resolverá os seus problemas, mas é parte fundamental da busca que o personagem persiste por todo o filme. Mais do que salvar o casamento ou conquistar o seu objeto de desejo, o que ele procura é conhecer a si mesmo. A trilha alterna-se entre o jazz típico das produções de Woody Allen, nos momentos descontraídos e nonsense, a um acompanhamento onipresente e chato que mal deixa três segundos de silêncio para o personagem refletir. Não é uma obra-prima, mas Burman continua construindo uma sólida carreira cinematográfica.

Cotação (de 0 a 5): 4,0

O CASAMENTO DE RACHEL

Badalado nos Estados Unidos – o filme aparece nas pré-listas do Oscar nas categorias de melhor atriz, atriz coadjuvante, diretor e até filme – O Casamento de Rachel tem um paralelo com outro filme que trata do relacionamento de duas irmãs ante a união de uma delas, Margot e o Casamento (2007, lançado diretamente em dvd no Brasil).

Mas enquanto em Margot temos uma Nicole Kidman antipática no limite do insuportável, neste filme há a iluminada presença de Anne Hathaway. E não apenas ela. Todo o elenco está em ótima forma. Apesar das poucas cenas, Debra Winger faz um belo retorno como a mãe um tanto distante das duas irmãs. A cena do confronto entre Kym (Hathaway) e Abby (Winger) é daquelas que aparecem na noite do Oscar quando e se uma das duas for indicada ao prêmio. Aliás, confrontar é o verbo favorito de Kym, deixando os ensaios do casamento de Rachel (Rosemarie DeWitt) no limiar de um desastre.

No entanto, mesmo tendo material riquíssimo nas mãos, Jonathan Demme perde longuíssimos e intermináveis minutos em momentos de celebração. Não que quisêssemos ver pancadaria full time na tela, mas com o propósito de mostrar a união e confraternização de uma família que sobrevive apesar de tudo, sobra menos tempo para explorar mais nuances da personagem e dar mais atenção a coadjuvantes importantes, como a própria Abby.

Anne Hathaway consegue seu melhor desempenho e papel no cinema até agora e faz jus aos comentários de forte candidata ao Oscar de Melhor Atriz. Já roteiro e direção são apostas altas demais para um filme que poderia ser muito mais do que é e num ano de dramas do peso de Milk, Revolutionary Road, Changeling e Slumdog Millionaire.

Cotação (de 0 a 5): 3,5

6 Respostas to “Mostra de SP: Última Parada 174, Ninho Vazio e O Casamento de Rachel”

  1. Denis Torres Says:

    Ok, parafraseando a música do Keane: I´ll meet you the other side. Abs.

  2. Denis Torres Says:

    Ok, tô louco pra ver Choke, Sinedocque e Che, apesar da longa duração. Abs.

  3. Denis Torres Says:

    Desconsiderar a primeira mensagem, era pra entrar em outro blog! Sorry.

  4. Denis, também estou anisoso pelos três.
    Comprei para Sinédoque amanhã, verei Choke na quarta que vem e quero tentat ver Che na sessão de encerramento. Difícil prever, mas espero que não me decepcione com nenhum dos três.

    Abs.

  5. Welton Trindade Says:

    Uau. Três críticas… Tudo é intenso: a mostra, o ritmo de produção de críticas! rs
    E aí, vai rolar um top 5 dos melhores filmes da mostra? Hein, hein?

  6. Denis Torres Says:

    Marcio, fui ver o Sinédoque hoje no Eldorado. O que achou? Se no seu resumo vc diz ser hipocondríaco, então deve ter adorado o filme! Também pretendo ver Choke na próxima quarta no Unibanco Pompéia, quem sabe a gente não se tromba por lá? Abs.

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